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Minha espiritualidade: Meu coração orante - por Dom Agenor Girardi, MSC


A sintonia com Deus: - Sentimos necessidade de ter um coração orante. É um apelo que provém do Espírito. A prece é tudo na vida do cristão. A coisa mais importante é estar em sintonia com Deus. Sem dúvida, o ponto mais alto de toda ascese cristã é a oração. É ter um coração orante, contemplativo e agradecido. Quem faz esta experiência estabelece a oração como parâmetro de sua vida espiritual. Quando o Espírito de Deus faz morada no coração de uma pessoa, esta não pode mais deixar de orar, pois o Espírito reza continuamente dentro dela. Em qualquer circunstância da vida, a oração estará sempre presente. Quem tem um coração orante percebe a ação de Deus em toda parte. Até mesmo o silêncio de uma pessoa que se tornou livre é em si mesmo prece e oração.

Em tudo respirar Deus: - A oração precisa fazer parte da nossa vida assim como a própria respiração faz parte de todo o nosso corpo. Sem respiração o corpo morre. Sem espiritualidade nos tornamos frágeis e vulneráveis às seduções do mundo. Na vida de oração somos sempre discípulos aprendizes, nunca nos consideramos prontos. O que é pedido de nós é um espírito de abertura e disposição para orar. A prática de piedade é nossa própria respiração. Mesmo sendo algo comum e freqüente em nossa vida cristã, a maioria de nós sente muita dificuldade para entrar em sintonia com o Espírito. Tal dificuldade aparece porque a oração é algo conhecido por nós e acreditamos que já sabemos rezar, o que nem sempre é real. Podemos até conhecer as técnicas da oração, mas não fazemos de fato a experiência de Deus, um Deus que é amor.

O Deus do meu coração: - Não rezamos somente para nós mesmos, mas numa dimensão de amplitude e totalidade, pois na oração temos presente toda à humanidade sofredora. A oração vai sempre além da própria pessoa. Ela transcende espaço e tempo. Ela toca os corações distantes e endurecidos. Os benefícios da oração são semeados pelo mundo como chuva em terreno seco e árido. A oração é como uma rede que envolve o mundo e possibilita assim os gestos de partilha e do amor. No silêncio e recolhimento interior, percebemos que o Deus distante se torna próximo, ou melhor, faz morada em nós e se torna o Deus do meu coração. No lugar dos ídolos do mundo damos espaço ao Deus de amor. Ele sempre permanece Deus e a pessoa sempre será criatura frágil e feita de barro. No encontro com Deus, o ser humano entra em contato com o seu núcleo mais profundo, com seu santuário interior. Deus mesmo vem ao nosso encontro por pura graça e dom.

Escutando o meu interior: - É sempre o Espírito que envolve o meu ser. Para poder escutar a Deus, devo antes de tudo escutar o meu interior. Para encontrar a Deus devo em primeiro lugar encontrar comigo mesmo. O ponto de partida de minha oração é que devo, antes de tudo, entrar em contato comigo mesmo. Encontrar-me a mim mesmo não significa girar somente ao redor dos meus problemas, mas abertura aos apelos do Espírito. Muitas pessoas se fecham e não dão espaço a sua graça. Quem deseja encontrar a Deus deve ter se aproximado mais do seu verdadeiro eu. É preciso encontrar o verdadeiro Deus e não somente os conceitos teológicos que estudamos sobre ele. A vida de oração não é uma ilusão. Não é possível que os santos tenham vivido somente de ilusões. Não fomos criados para a escuridão, mais para a luz da verdade. Voltar nossa atenção a Deus significa acreditar na sua proximidade e redescobrir de novo o seu encanto por mim.

Experimentando algo novo: - O que devo dizer a Deus em minha oração, se Deus já sabe tudo? Deus sabe tudo sobre mim e não tem necessidade de minha oração, mas eu necessito dela. Ao dirigir-me a Deus sinto algo novo nunca sentido antes. É uma experiência única. Mas o que devo ter presente em minha oração? Tudo aquilo que aflora dentro de mim. É preciso que eu diga a Deus a verdade sobre minha vida. Não posso mentir e nem justificar nada. Devo, porém, comunicar a minha vida mais profunda. Somente a oração me libertará dos emaranhados e de minha dor. Ao olhar para Deus eu descubro aquilo que não está bem. Também os meus pecados e fragilidades são trazidos à tona na minha oração.

Superando o peso da vida: - Quando rezamos oferecemos também os nossos pecados e o nosso lado sombrio. A oração me liberta quando permito que Deus olhe também para minhas incoerências, minhas paixões e tentações da alma. Na oração me sinto livre para exprimir também meus medos e minhas inseguranças. Posso desnudar aquilo que foi reprimido em mim e aquilo que não quero aceitar. Abrindo meus abismos deixo que a luz de Deus ilumine o meu inconsciente. A oração só me liberta quando entrego tudo a Deus. Não preciso ter medo de nada daquilo que está dentro de mim. Na oração permito que Deus me olhe com amor. Assim o fardo da vida vai se tornando mais leve. A oração tira dos meus ombros o peso das incoerências e resgata de novo a leveza da transparência.

Os barulhos do mundo: - A oração me ajuda a estar atento ao meu corpo e aos meus sonhos. Na oração posso abrir a Deus todos os ângulos obscuros. Rezar significa abrir todas as instâncias do meu corpo e de minha alma. Permito que toda a morada de minha vida seja habitada e iluminada por Deus. Na oração sinto que não estou abandonado. É preciso que minha atenção se volte mais ao Deus da misericórdia do que às minhas próprias culpas. Deus nunca nos pede demais, mas só o que está ao nosso alcance. O silêncio de Deus nos ensina a escutar o seu amor. O silêncio vence os limites da palavra. O silêncio é a consumação da oração. É um silêncio muito pessoal, que supera os barulhos do mundo. Coloco-me simplesmente diante de Deus e deixo que ele olhe para mim. Não preciso fazer mais nada. Sinto-me assim envolvido pela sua presença de amor.

Sensibilidade orante: - A oração é uma atitude contínua voltada para Deus. Em sua presença encontramos a cura e a saúde. Permanecer em silêncio diante dele faz crescer em nós o grande amor por ele. É a percepção do Espírito em nosso íntimo. O pensamento se eleva para coisas grandiosas. É o momento da superação das coisas mundanas. Sentimos necessidade de permanecer aí o tempo que for necessário. Nossa dureza de coração dá espaço para a sensibilidade orante. A oração é o lugar da liberdade e abertura do coração perante Deus. O que pode existir de mais elevado e sublime do que poder falar com Deus? Quem reza se assemelha aos anjos do céu que não cessam de contemplar a face do Pai. Um desejo mais profundo de Deus vai fazendo parte de nosso cotidiano. Rezar é entrar no lugar habitado somente por Deus. Neste espaço percebo que rezar se torna um bem, uma libertação e um alívio. Em Deus encontro uma nova maneira de chegar até mim mesmo.

A superação do rancor: - Na oração não encontro somente Deus, mas também as pessoas de modo novo. Quando rezo pelas pessoas, também as vejo com olhos novos. Liberto-me dos meus preconceitos e sinto suavizar a mágoa que tenho contra alguém. Somente na oração eu me sinto mais unido às pessoas. Os meus sentimentos estão unidos, mas estão também separados. A oração possibilita um novo começo na amizade ou pelo menos, a superação do rancor. Rezar pela outra pessoa é não violentar os meus sentimentos. Aos poucos vou percebendo que os meus sentimentos vão amenizando. Não deixo que suas atitudes agressivas me atinjam. A união na oração vai além dos sentimentos e do entendimento. Ela provém do fundo da alma, provém de Deus. No fundo do meu coração encontro também o coração por quem rezo.

A união com Deus: - Penetrar no mistério de Deus significa também entrar em contato com o mistério do meu próprio eu. Ali as preocupações da vida cotidiana não me atingem, pois neste espaço estou sozinho com Deus. Alcançar a união com Deus é o máximo que podemos almejar. Em Deus o coração reencontra a paz. Nele se alarga o sentido da vida. Na oração encontramos a plenitude do Espírito que está em nós. Sob o ponto de vista teológico, Deus não necessita de nós, mas sob o ponto de vista do amor pessoal que nos foi revelado em Jesus Cristo, podemos dizer que Deus mantém uma relação afetiva conosco e quer nossa intimidade com ele; isto é, nossa união e contemplação. Na oração inicia-se o diálogo do amor. É o reencontro com o Espírito, com Maria e com os Santos...